
A maior contaminação pelo fumo passivo acontece em bares, restaurantes e casas
noturnas, seguidos pelo ambiente de trabalho
No fim do expediente, você se reúne com os colegas para o happy hour. Ao permanecer por quatro horas no local, terá fumado cinco cigarros. Detalhe: você não é fumante. Entretanto, é exatamente essa a proporção atingida pela chamada fumaça lateral, aquela que vem do cigarro do outro. Os riscos oferecidos podem ser até mais perigosos do que aquela com que o fumante ativo enche seus pulmões. Por não ser filtrada, essa fumaça contém todas as substâncias tóxicas presentes no cigarro em uma concentração muito maior. Sabe-se que ao menos 43 delas são cancerígenas. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), o fumo passivo, no ambiente de trabalho, mata ao menos 200 mil pessoas por ano no mundo todo. Esse número, por si só, deveria representar um alerta à população; no entanto, o fumo passivo ainda é visto como um problema secundário pela maioria dos governos. Viva-Saúde entrevistou Jaqueline ScholzIssa, diretora do núcleo antitabagismodo Instituto do Coração (Incor)do Hospital das Clínicas de SãoPaulo e autora do livro Deixar de fumarficou mais fácil (MG Editores).E fique atento ao mal que a fumaçaalheia pode fazer ao seu organismo.
Quais são os riscos do fumo passivo?
Jaqueline Scholz Issa: Atualmente, por meio de diversos estudos clínicos, sabemos que os prejuízos do fumo passivo são muito próximos ao do fumo ativo, mas em menor grau, porque a exposição, geralmente, é menor. Além de agravar os sintomas de problemas respiratórios, como asma, rinite e sinusite, a fumaça lateral aumenta a probabilidade de doenças cardiovasculares, que chega a ser duas vezes maior em fumantes passivos do que em não fumantes que não se expõem à fumaça nicótica. O principal motivo está na hipercoagulabilidade do sangue, provocada pelos componentes do cigarro, que pode ocasionar coágulos na corrente sanguínea e desencadear um infarto ou um acidente vascular cerebral (AVC), por exemplo. Há também o aumento de risco de câncer de pulmão.
Em quais locais o fumante passivo corre maior perigo?
Jaqueline Scholz Issa: A maior contaminação acontece em bares, restaurantes, seguidos pelo ambiente de trabalho [segundo a OMS, o nível de fumaça secundária chega a ser até duas vezes maior em restaurantes, ou seis vezes maior em bares, do que em locais de trabalho]. Em terceiro lugar está o ambiente domiciliar. Nas baladas ou pubs, que são locais mais fechados, a contaminação é ainda superior. Até porque a concentração de monóxido de carbono e de outras substâncias derivadas do cigarro varia de acordo com a ventilação do local, a quantidade de fumantes no ambiente, o tamanho do espaço e o tempo de exposição. Por isso, o fumo passivo oferece mais riscos a quem trabalha em bares e restaurantes, pois essas pessoas têm uma exposição maior e mais frequente.
Quem são as pessoas mais prejudicadas?
Jaqueline Scholz Issa: Pessoas que têm problemas respiratórios, cardiovasculares, hipercoagulabilidade do sangue ou histórico familiar dessas doenças. Para as crianças, o risco de infecções das vias aéreas superiores, como rinite, otite e sinusite, dobra quando a mãe fuma, e fica 75% maior quando o pai também é fumante. Caso a mãe fume durante a gravidez, poderá sofrer aborto ou parto prematuro, além de o feto ter seu crescimento e pulmões seriamente prejudicados.
A afirmação “morar em grandes centros urbanos é como fumar até dois cigarros por dia” é verdadeira?
Jaqueline Scholz Issa: Em relação ao monóxido de carbono (CO), não, porque a grande parte da população fica exposta à poluição por um período muito curto de tempo. A concentração de CO em não fumantes residentes em São Paulo, que é uma cidade muito poluída, em média, é de três ppm (partes por milhão) no ar expirado. Já a concentração desse componente em quem fuma de 1 a 10 cigarros por dia é de 11 ppm; de 11 a 20 cigarros, é de 20 ppm; e mais de 20 cigarros, é de 29 ppm. Ou seja, o fumante possui três vezes mais CO no pulmão do que o não fumante que mora na cidade.
E no trabalho, os “ambientes livres de tabaco” funcionam?
Jaqueline Scholz Issa: Funcionam, porque estimulam as pessoas a pararem de fumar. O Incor é um ambiente livre de tabaco desde 1996, e todos os funcionários que querem abandonar o vício recebem tratamento. Quando o fumo é restringido a certos locais, possibilita que a pessoa tenha uma noção exata do seu grau de dependência.
Há quanto tempo se conhecem os riscos do fumo passivo?
Jaqueline Scholz Issa: São conhecidos há bastante tempo, mas só foi possível coletar dados que comprovam os malefícios recentemente, com metodologia e instrumentos modernos, que facilitam a medição de substâncias como a cotinina [metabólico da nicotina medido pela urina]. O nível elevado de cotinina está relacionado a uma série de doenças e pode afetar a cognição. Sabe-se, por exemplo, que o fumante ativo tem um risco seis vezes maior de ter a doença de Alzheimer, mas ainda não há dados relacionados ao fumante passivo.